Por Breitner Chaves, MD, PhD
Um pastor anônimo, sem espada, sem títulos e sem armadura, ousou enfrentar um gigante e tornou-se rei. Todos conhecem a história de Davi, mas poucos percebem que ela não é apenas um episódio do passado: é um arquétipo eterno da jornada humana, um espelho onde cada alma vê seus próprios abismos e sua própria luz.
Davi sabia-se pequeno, não no espírito, mas na carne. Sabia-se frágil, mas nunca permitiu que a fragilidade abafasse o sussurro do coração. Ele pressentia um chamado que o ultrapassava, um propósito que não se explicava pela lógica dos homens, mas pela linguagem secreta do sagrado. Entre ovelhas e longos silêncios, carregava uma chama discreta, quase tímida, mas indestrutível: a disposição de servir, mesmo sem compreender o caminho. Assim caminham os realmente grandes, o destino não se revela aos que se julgam fortes, mas aos que ousam escutar o silêncio profundo da alma.
Quanto a Golias, este nunca foi apenas um homem colossal. Ele é a sombra que cresce dentro de nós: o medo que paralisa, a ferida que sangra em silêncio, a voz que insiste: “Você não é capaz!”. Quantos gigantes habitam nossa memória, sondam nossa alma diariamente e exigem a nossa rendição? Enfrentar Golias é, antes de tudo, enfrentar a si mesmo. É encarar o trauma, o passado, a dúvida, e ainda assim afirmar, com calma e firmeza: “Eu não serei tua prisão.”
Davi não esperou a armadura perfeita nem o momento ideal. Retirou-se para dentro, alinhou o olhar ao seu centro, e com uma pedra e uma fé que não tremia, lançou-se ao impossível. Porque quando a alma se reencontra com seu eixo, o improvável se curva diante da convicção. Uma única pedra, bem lançada, pode alterar destinos; pode derrubar muralhas invisíveis; pode libertar o que parecia condenado. Afinal, não há vidro que resista à força de uma convicção pura.
A história de Davi não é apenas sobre vitória física. É sobre a alquimia interior que transforma medo em coragem, silêncio em palavra, fé em realidade. É o mistério do invisível que move o visível. É a certeza de que nenhuma estrutura , de pedra, de carne ou de pensamento, resiste à força de uma convicção pura.
Davi fez o que podia com o que tinha.
E, ao fazer seu melhor, abriu uma fenda no real por onde a luz entrou. Porque às vezes, tudo o que o divino precisa para agir é de uma pedra pequena, de um coração disponível, e de uma coragem que se ajoelha antes de se levantar.
Sola Gratia
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