terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Porque a conta da saúde não fecha?










Essa é uma das questões mais procuradas nos últimos anos. Muitos especialistas afirmam que é falta de financiamento, má gestão, corrupção entre tantas outras possibilidades. Em parte eles têm razão, mas o que pouco se discute são os pontos centrais:

1- Vivemos uma crise de mal investimento

Menos de 10% do que temos enquanto saúde se deve a cuidados  médicos, mais de 90% de nosso bem estar deve-se a fatores sociais, ambientais e emocionais. O problema é que investimos todos os recursos dos sistemas de saúde exatamente nesses 10%, o qual sofre grande pressão pelo incremento de novas tecnologias sem ganhos reais de "anos de vida", um indicador de efetividade, por exemplo. A falsa e ilusória expectativa de que investir de forma exponencial nessa caixinha da saúde (10%) está trazendo desequilíbrios e colapsando todos os sistemas de saúde do mundo, além de ampliar cada vez mais a insatisfação dos pacientes. Investimos mal, sob o ponto de vista conceitual do que é realmente saúde. Gastamos mais com doenças do que com prevenção e manutenção do bem estar. O resultado é um modelo insustentável, caro, decepcionante e cada vez mais auto-fágico.

2- Estimulamos um péssimo modelo de pagamento

Copiamos o modelo industrial de produção na saúde. Pagamos de forma cartesiana pela produção de atendimento, procedimentos, dias de internação e  exames. Resultado é uma produção desvinculada de qualidade  e de valor agregado ao paciente. Pagamos, portanto, mal, pois não vinculamos o pagamento ao que realmente importa aos usuários: qualidade e segurança. Além disso, optamos cada vez mais pela imaturidade contratual dos profissionais de saúde, seja por cooperativas, seja por PJ, subterfúgio para fugir de tributos de ambos os lados, resultado disso é uma mão de obra cada vez mais sem vinculo institucional e fragilidade trabalhista, o que impacta no resultado final dos pacientes de forma negativa.


3- Má formação gestora

Esse é outro ponto também um pouco ilusório. Nem um grande gestor vai surgir para salvar o setor  de forma mágica. A adoção de alguns modelos industriais para o setor focado apenas na eficiência tem sido a forma como os governos tem analisado e julgado a qualidade dos gestores de saúde. Isso vem alimentando um feedback destrutivo para vida das pessoas. Nosso atual modelo de descentralização e governança está completamente equivocado. Setor privado e público competindo pela oferta  dos mesmos serviços, em uma simbiose conflituosa, em um sistema fragmentado, sem coordenação e cooperação, tem sido um fator adicional de decadência do setor. Enfim, não temos ministério ou secretarias de saúde, mas de serviços de saúde e programas. O bem estar das pessoas precisa ser agenda prioritária em todas as secretarias de Estado. Sem isso, não poderemos ter resultados sistêmicos. A mídia deveria ter um papel central na melhoria dos sistemas de saúde, entretanto esta tem contribuído de forma superficial, estando mais a serviço de questões periféricas, como moda, estética e denúncias de filas de atendimento, forçando, muitas vezes, a agenda política dos governos se voltarem para questões temporárias e ilusórias.


4- Formamos mal e sem prioridades

 Os cursos de medicina como todos os outros da saúde viraram fontes de lucro de um mercado ávido a pagar por eles. Sem qualquer estudo e regido simplesmente pelo lobby politico, abre-se cursos em locais sem estrutura nenhuma de receber novos cursos. Resultado disso é um formação precária e sem criticidade acadêmica, extremamente vulnerável a pressão dos "investimentos dos 10%" por determinadas industrias. Campo perfeito para aumentar de forma exponencial os custos do setor.

Assim o grande desafio hoje não seria apenas como atrair mais recursos para esses 10%, mas como fazer todos os setores investirem em bem estar de suas sociedades (90%). Como agregar valor onde não tem. Como dar a saúde um papel mais comunitário, social, baseado na solidariedade e na justiça. A saúde das sociedades jamais deveria ser um problema em si, deveria ser algo natural, simples e mais comunitária. Pois enquanto a vida não for prioritária, há uma denúncia simbólica de  anomalia ética das relações humanas.