By Breitner Chaves, MD, MPH, Phd(e)
Quais os riscos e
benefícios potenciais da inteligência artificial na saúde? Como está poderá
afetar a vida dos profissionais do setor? Médicos deixarão de existir em um
mundo próximo? Nesse artigo, apresentaremos um pouco sobre alguns conceitos gerais
sobre inteligência artificial. Em seguida, detalharemos algumas ferramentas disruptivas
que prometem revolucionar o setor da saúde. Enfim, analisaremos como esta
poderá mudar as relações de trabalho do setor e, finalmente, abordaremos alguns aspectos éticos importantes.
1- O MITO DO ROBÔ INTELIGENTE
Isso é algo que confunde muitas pessoas. Sempre ao pensar em inteligência artificial pensamos
imediatamente em robôs que andam, pensam e possuem sentimentos humanos. É
natural esse tipo de confusão, pois é a forma mais comum que filmes e a grande
mídia materializa a inteligência artificial. Contudo, não necessariamente um
robô possui inteligência ou algo que utiliza inteligência artificial possui uma
aparência humanoide ou física. Mas afinal, o que é inteligência? Sob qual
perspectiva se ciências matemáticas decidiram utilizar o temo “inteligência
artificial”?
Essa
é uma questão complexa e até hoje pode ter uma resposta de acordo com diversas correntes
de pensamento. Por muito tempo acreditou-se que inteligência era algo inata ao
individuo e facialmente mensurável através de testes de “quociente de inteligência’
(QI)1 Contudo para filósofos como Jean Piaget, a inteligência é um
processo de organização, que engloba um conjunto de funções cognitivas
complexas. Para Gardner, criador da teoria de inteligência múltiplas,
a inteligência é algo ainda mais complexo com vários tipos de inteligência.
Segundo este último cientista, inteligência implica ainda na capacidade de
resolver problemas ou elaborar produtos que são importantes num determinado ambiente
ou comunidade cultural2
Quando falamos de “inteligência
artificial”, talvez estejamos mais próximos dessa perspectiva, uma vez que os
algoritmos construídos almejam solucionar ou apoiar soluções de problemas
cotidianos, em diversos campos do saber e experiência existencial, analisando,
adaptando-se e criando caminhos imprevistos que, por vezes, atendem nossos
anseios.
Voltando a questão do
começo, podemos ter belos robôs que reagem apenas de forma programada, ou seja,
eles possuem um escopo de ações bem definidas, regras previamente estabelecidas
por programadores, não podendo aprender novas habilidades a partir da
experiência existencial. Por outro lado, podemos ter poderosas ferramentas
inteligentes sem um “corpo físico”, como por exemplo, a inteligência por trás
de redes sociais, sites de busca, telefones celulares, dispositivos
diagnósticos e ferramentas financeiras.
2- INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: DEFINIÇÃO.
Para o renomado cientista Yann LeCun, diretor de
inteligência artificial do Facebook, a inteligência artificial pode ser
definida como uma técnica que permite a uma máquina a realizar funções atribuídas
tradicionalmente a um homem ou animal, tal como planejar, identificar objetos, construir
hipóteses, enfim agir e interagir com o mundo a sua volta. Contudo, para este,
o que mais caracteriza a inteligência artificial moderna é a capacidades de
aprendizado das máquinas3. Como uma criança, os
dispositivos modernos são capazes de aprender pelo exemplo, podendo ser
resultado daquilo que é “oferecido” a ela. Isso tem várias implicações éticas
que veremos daqui a pouco. Para conhecer mais a fundo a história da AI e seus
conceitos sugerimos a leitura do texto “Intelligence
artificielle: histoire et notions de base ” de Jérémy Bouchez4.
3- AS TECNOLOGIAS MAIS DISRUPTIVAS.
3.1 DeepMind Health
Um sistema hospitalar
possui uma infinidade de informações em seu banco de dados, tornando difícil a
gestão de todo esse conhecimento gerado. Atualmente a detecção de um paciente
de risco ou que está piorando por uma infecção grave (sepse), por exemplo,
depende da capacidade do profissional em examinar o paciente e interpretar uma
centena de indicadores de exames e sinais vitais. Isso muitas vezes não atende a necessidade do
paciente que precisa de uma intervenção precoce e rápida. Pensando nisso a
start up DeepMind começou em 2010 a pesquisar formas de solucionar esse
problema utilizando inteligência artificial em ambientes hospitalares. Em 2014,
a empresa foi adquirida pelo Google tamanho
o potencial de benefício e crescimento do projeto. Atualmente a solução está em
funcionamento em alguns hospitais na Inglaterra e a inteligência consegue
detectar, a partir dos dados dos prontuários dos pacientes, sinais de piora
clinica, como em casos de infecção ou insuficiência renal, e alertar de forma
rápida e visual os profissionais. Recentemente pesquisadores da Califórnia
(EUA) demonstraram que o uso de inteligência artificial conectada a prontuários
podem prever antecipadamente eventos indesejados, tais como erros médicos e
reações alérgicas, além de evitar mortalidade dos pacientes5 . Para
quem deseja conhecer mais sobre o projeto DeepMind pode ir diretamente no site
da empresa6.
3.2 Babylon Health
Essa start up é sem dúvida
uma das mais disruptivas do setor. Atualmente um dos problemas mais sérios em
quase todos os sistemas de saúde do mundo é falta de acessibilidade a uma
consulta médica e a situação se agrava ainda mais em países mais pobres. Através
de um aplicativo você pode ter um diagnóstico inicial, ter uma consulta com um
especialista e receber sua prescrição médica em casa. O aplicativo utiliza
fluxos médicos e segue um raciocínio clínico segundo as respostas dadas a ele
pelos usuários7.
3.3 Watson: IBM
Impossível falar de AI e
não falar dele. Watson é a plataforma de serviços
cognitivos da IBM para negócios. Pode ser usado em diversas áreas, como educação,
meteorologia, saúde, economia, agricultura, etc. Em média, o Watson consegue
processar 500 gigabytes, o equivalente a um milhão de livros, por segundo! Essa
incrível capacidade de processamento e análise favorece tomadas de decisões
seguras em áreas sensíveis e com grande produção de conhecimento, como setor da
saúde8 .
O mais incrível é que a
IBM construiu uma plataforma que poderá ser usada por várias star ups do mundo em suas respectivas
áreas de atuação, favorecendo uso dessa impressionante capacidade cognitiva em
favor de seus próprios usuários. Em outras palavras, existe grande chance em um
futuro próximo o Watson ser uma espécie de “cérebro global”. Atualmente, a
ferramenta em sido utilizado com sucesso apoiando oncologistas em suas tomadas
de decisão, em análises genéticas e na gestão de dados clínicos primordiais em
hospitais9.
4.0 Reflexões éticas
Segundo Marc Schoenauer, pesquisador da
universidade normal de paris, dispositivos de inteligência artificial podem
servir a um bom propósito como a uma finalidade deplorável, dependendo da
qualidade dos conhecimentos que são repassados a ela, assim como uma criança10.
Por exemplo, se
colocarmos algoritmos para realizar definições salarias, certamente ele
perpetuará ou ampliará a discrepância salarial entre homens e mulheres com base
na realidade atual. Um outro exemplo prático disso, a Microsoft lançou em 2016 um
“chatbot” (um algoritmo para
interagir em redes sociais) chamado “Tay” para conversar com a geração millenium, entretanto, “Tay” se tornou racista, sexista e xenófoba a
partir dos dados que ela absorveu de
forma mais prevalente em suas interações. O ChatBot
foi desativado logo após seu lançamento11.
Retornando a questão do
começo, não sabemos ao certo a real transformação que a AI ira promover em
nossa sociedade, mas com certeza grandes mudanças ocorrerão. Alguns postos de
trabalho inevitavelmente deixarão de existir e outros serão criados. Por
exemplo, está cada vez mais claro que que AI vem se tornando mais eficiente em
relação realizar diagnósticos de exames de imagem médica, uma vez que que as
soluções podem detectar nuances que os olhos humanos não são capazes de
enxergar. Assim, não sabemos dizer, por exemplo, em que se transformará a
especialidade médica de radiologistas12.
O Babylon cada vez mais
avança e poderá sim modificar completamente o papel de médicos generalistas nos
sistemas de saúde e em serviços de auditoria. Estes profissionais provavelmente
serão mais direcionados para a gestão de dados clínicos e menos ligados ao diagnóstico
ou triagem.
Uma outra questão muito
importante que dever ser debatida de forma transparente consiste na utilização
ética dos dados clínicos pessoais dos usuários, uma vez que quanto mais
conectados e em rede as informações de saúde dos indivíduos se tornam mais
vulneráveis a serem explorados de forma não desejada e sujeitos a ataques
cibernéticos. Dados hoje se tornaram uma “mina de ouro” desse emergente campo
da ciência e grandes esforços estão sendo realizados por gigantes companhias
para obtê-los afim de explorar novas finalidades comerciais, o que vem chamando
atenção da sociedade civil e entidades de direitos humanos.
Conclusão
Vimos alguns conceitos
sobre inteligência em seu sentido macro nesse artigo e exploramos três soluções
de AI que já estão em funcionamento e possuem um grande potencial de
revolucionar o setor. Por fim, e não menos importante, trouxemos alguns pontos
de reflexão sobre importantes questões éticas a serem consideradas quando
falamos dessas tecnologias.
A inteligência
artificial não irá parar e, cada vez mais, será presente em nossas vidas,
caberá, portanto, a sociedade civil organizada participar ativamente desse
debate afim de garantir que aspectos éticos sejam respeitados e o fim último
seja sempre o progresso humano e não, exclusivamente, avanços comerciais a
qualquer custo e sem reflexão crítica.
Réferences
1-
Schneider, W. H.
(1992). After Binet: French intelligence testing, 1900–1950. Journal of
the History of the Behavioral Sciences, 28(2), 111-132.
5-
Rajkomar, A., Oren, E.,
Chen, K., Dai, A. M., Hajaj, N., Hardt, M., ... & Sundberg, P. (2018).
Scalable and accurate deep learning with electronic health records. npj
Digital Medicine, 1(1), 18.
6-
https://deepmind.com/
8- https://www.youtube.com/watch?v=ZPXCF5e1_HI
9- https://www.youtube.com/watch?v=idp55-2kMc8
12- https://www.lesechos.fr/idees-debats/editos-analyses/030810579263-lintelligence-artificielle-aux-portes-de-limagerie-medicale-2129217.php