Nos
primórdios da minha adolescência, em torno de 14 anos, entrei em contato pela
primeira vez com o doutrinamento socialista na escola, naquela época era
natural e sinônimo de elegância intelectual possuir um declínio de esquerda e
defender a luta de classes como motor da história com fervor. Rapidamente fui
cooptado para o doutrinamento através das juventudes socialistas partidárias.
Em um primeiro
momento, tudo aquilo fazia muito sentido para mim, como vim de família humilde,
passei a acreditar que minha situação era proveniente da opressão da burguesia,
meu pai alcoólatra e minha mãe morrendo com câncer nos corredores do SUS seriam
vitimas de uma entidade chamada capitalismo, e eu também. Aliás, uma das coisas
que mais aprendi na juventude socialista é se vitimar de forma apaixonada
diante da realidade da vida e que sua existência só poderia ser modificada se
conseguíssemos implantar a revolução do proletariado e dominar toda propriedade
privada, sem isso todos nós continuaríamos seguindo uma vida miserável e vil.
Os encontros eram quase religiosos, tínhamos que falar jargões
socialistas, conhecer, mesmo que superficialmente, o manifesto comunista era
essencial para ser aceito e reconhecido no grupo. Apesar de ter tudo que
precisava, como um lar, comida, educação, lazer gratuito e acesso médico, mesmo
que com deficiências, aquilo já não me parecia mais suficiente, precisávamos
mostras as pessoas que o único caminho da felicidade plena era acabar com a
burguesia e implantar a ditadura do proletariado para se chegar ao comunismo.
Cheguei a protestar
de forma convicta em frente as lojas Mcdonalds e a Coca-Cola por serem símbolos
do imperialismo americano, desconsiderando que lá dentro existiam centenas e
milhares de jovens em todo mundo em sua primeira experiência de emprego,
tentando construir suas próprias vidas. Mas não, nós estávamos ali para
convence-los que eram explorados e precisavam se unir a nós. Não entendia
porque estes não escutavam nossos apelos emocionais, sofria por achar que eles
estavam impregnados pela "alienação" capitalista, era preciso
intensificar as forças e partir, em alguns momentos, para violência, como a
depredação desses estabelecimentos capitalistas exploradores para chamar
atenção.
Por sorte, entrei na
igreja protestante e lá, pela primeira vez, aprendi o que era solidariedade,
colaboração e transformação da realidade pelo serviço. Contudo, meus
doutrinadores socialistas, seja na escola, seja na faculdade, exortavam-me que
ajudar ao próximo era o principal instrumento do capitalismo para dominação e
alienação dos trabalhadores.
Lembro-me como
vivi um doloroso conflito ao ver uma família na rua e fui tocado em oferecer
alimentos e abrigo a eles, as vozes de alguns dos meus professores ecoavam em
minha mente, "você deve coopta-los para a luta comunista, não caia na
cilada capitalista do assistencialismo". Bom, felizmente deixei meu
coração agir, não a razão, e ajudei aquela família, mesmo que de forma
paliativa, senti que, naquele momento, era o melhor que eu podia fazer ao invés
de falar a eles sobre nossa revolução social.
Na faculdade, fui
presidente de centro acadêmico, meus heróis latinos eram todos
ex-guerrilheiros, lia tudo sobre a vida deles e me espelhava em suas ações de
altruísmo e camaradagem a causa comunista, mesmo que isso implicasse em matar o
próximo sem hesitação em nome de um "bem maior". Éramos totalmente blindados das
doutrinas liberais, esse termo, aliás, era o mais próximo daquilo que aprendi ser
o demônio na igreja, era preciso combater a qualquer custo toda forma de
ideologia capitalista, mesmo sem conhecimento. Nossa convicção era tão forte
que sequer tínhamos interesse de estudar tais ideias, o que poderia inclusive
ser visto como uma traição a Max sem precedentes. Lembro de ter desprezado o
idioma inglês na adolescência em decorrência do ódio que possuía aos americanos
imperialistas, fiz o vestibular em espanhol inclusive. Demorei para descobrir
que o ódio que tinha dos americanos era na verdade uma canalização da revolta
que possuía por não poder usufruir de suas conquistas.
Abro um parêntese aqui para falar da
burguesia. Com o tempo, mudamos o significado da palavra, burguesia não se
referia mais aqueles que detinham os meios de produção, na verdade, taxávamos
de burgueses todos aqueles que não concordassem conosco. Usávamos de forma
indiscriminada o termo e de forma ofensiva. Assim, criamos novas categorias,
advogado burguês, médico burguês, juiz burguês, patrão e trabalhador burgueses,
etc. Não importava, se não concordassem conosco e não fossem favoráveis à nossa
revolução, alcunhávamos como tais, mesmo dentro de uma mesma classe. Ainda na
faculdade cogitei partir para cuba para fortalecer meus conhecimentos
socialistas. Ficava cada vez mais claro para mim o poder do doutrinamento
politico e, na igreja descobria aos poucos também a vertente do doutrinamento
religioso. Não posso negar que tive inúmeras experiências negativas com essa
última também.
Hoje reconheço o
perigo dessas duas formas de doutrinamento que, quando unidas, causam efeitos
devastadores, principalmente na fase de vulnerabilidade que é a adolescência, o
que explica a relativa facilidade de cooptação de jovens por grupos
religiosos/políticos extremistas no mundo, como o destrutivo Estado Islâmico.
Quando terminei a
faculdade de medicina, por ironia do destino, fui convocado para servir as
forças armadas. Um delírio para um comunista convicto! Não bastasse odiar os
militares pelo período da ditadura, ainda estava sendo cooptado pelo Estado
burguês para servi-lo na defesa da propriedade privada. Nasci em 1984, já
no fim do regime militar, tudo o que sabia sobre o período era através dos
professores e histórias contadas.
Durante meu tempo de
caserna, descobri que exageraram propositalmente para mim, existiam seres
humanos incríveis ali, amigos leais e pessoas dispostas a dedicar toda as suas
vidas a serviço do país independente de governos. Tive oportunidade de conversar
com pessoas que estavam do “outro lado” e eles me falaram que não tinham um
projeto de poder, estavam protegendo o país de uma outra forma de ditadura
ainda mais sanguinolenta, a que eu defendia até então. Vivi uma crise sem
precedentes, pois de fato antes de alcançarmos o comunismo instalaríamos
uma ditadura do proletariado, que na prática, foi a mais cruel
de todas na terra, a experiência da União Soviética, leste europeu, Cuba, China
e Coreia do Norte foram destrutivas a humanidade, um genocídio sem
precedentes, justiçamento e assassinatos em praças publicas eram comuns,
fusão do partido com governo, nacionalização e destruição da propriedade
privada. Descobri ainda que, no Brasil, ocorreram 286 mortes pelo regime
durante mais de 20 anos, dados da própria comissão da verdade, mas me fizeram
acreditar que tinham sido milhões de mortos. Na verdade, a grande maioria das
pessoas que pegaram em armas não lutaram por uma democracia, essa
definitivamente não fazia parte de seus planos, objetivo era um só, implantar a
ditadura do proletariado. Essas verdades foram muito duras para eu aceitar.
Fui obrigado a
digerir essa realidade e ver o outro lado do período militar. Enfatizo que
desprezo toda forma de tirana e acredito que a democracia, apesar de todas as
suas falhas, ainda é o melhor melhor modelo político existente, contudo nunca
fez parta da luta do proletariado a democracia, isso precisa ficar muito claro.
A transição do Brasil para a democracia não se deu com derramamento de sangue como
eu achava, mas simplesmente porque já não existia a ameaça socialista, a união
soviética sucumbiu a sua própria farsa, a experiência havia fracassado, assim
os militares não mais resistiram em colaborar com a transição para o novo Brasil
pós-88. Com essa experiência, aprendi a não julgar atos do passado com olhar
do futuro, desconsiderando seu contexto histórico, seja de qual lado for.
Assim que me formei, abri uma empresa e comecei a estudar sobre estratégias de mercado, vi o quão era mais adequado a vida as ideias liberais. Rapidamente percebi que o livre mercado acolhia melhor a humanidade dos seres humanos e a complexidade de suas emoções, o comunismo, ao contrário, forçava a todos a um estagio transitório, que jamais terminaria, de miséria e opressão. Com pouco estudo percebi também que nenhum outro sistema tirou tantas pessoas da pobreza ou aumentou a expectativa de vida global, além de ter promovido avanços antes impensáveis na medicina. Descobri ainda que ser médico e empresário em um país com um Estado burocrático, ineficiente e corrupto é um ato de coragem e amor ao país. São anos para ter algum retorno, devido a carga tributária e trabalhista elevadíssimas. Conheci inúmeros empresários e descobri, ao contrário do que me falavam, que em sua grande maioria eram pessoas com belíssimas historias de superação e determinação, enquanto, do outro lado, a maioria das pessoas só sabiam reclamar de tudo e não eram muito adeptas ao trabalho que tanto defendiam. Assim, despretensiosamente, “amanheci” como um burguês traidor.
Assim que me formei, abri uma empresa e comecei a estudar sobre estratégias de mercado, vi o quão era mais adequado a vida as ideias liberais. Rapidamente percebi que o livre mercado acolhia melhor a humanidade dos seres humanos e a complexidade de suas emoções, o comunismo, ao contrário, forçava a todos a um estagio transitório, que jamais terminaria, de miséria e opressão. Com pouco estudo percebi também que nenhum outro sistema tirou tantas pessoas da pobreza ou aumentou a expectativa de vida global, além de ter promovido avanços antes impensáveis na medicina. Descobri ainda que ser médico e empresário em um país com um Estado burocrático, ineficiente e corrupto é um ato de coragem e amor ao país. São anos para ter algum retorno, devido a carga tributária e trabalhista elevadíssimas. Conheci inúmeros empresários e descobri, ao contrário do que me falavam, que em sua grande maioria eram pessoas com belíssimas historias de superação e determinação, enquanto, do outro lado, a maioria das pessoas só sabiam reclamar de tudo e não eram muito adeptas ao trabalho que tanto defendiam. Assim, despretensiosamente, “amanheci” como um burguês traidor.
Hoje acredito que o contraponto do capitalismo
é a solidariedade e a colaboração, não o comunismo. Lutar por uma sociedade
mais solidária e menos destrutiva consiste em um imperativo ético, racional e humano,
não doutrinário. Consegui me libertar das amarras socialistas, mas não é fácil,
muita gente não teve a mesma sorte e ficou pelo caminho lamentando o declínio
global de suas ideologias. Atualmente, os poucos que insistem em defender
cegamente a velha luta de classes tornaram-se de presença insuportável e favorecem, com sua atitudes extremistas, cada vez mais a libertação da juventude dessas ideias históricas.
O momento é outro,
precisamos superar o passado e entender que a nova dinâmica da vida nos exige
cada vez mais criatividade, não há mais espaço para o bipolarismo. A emergência
das novas necessidades humanas em um mundo cada vez mais globalizado obriga-nos
a sermos mais independentes e inteligentes. O livre mercado não é o sistema mais justo do mundo, mas ainda é o melhor que temos, espero que surja algo
ainda melhor no futuro, mais alinhado com respeito a vida, algo realmente novo, não sombras do passado.
Encontrei! Muito boa reflexão, camarada! 😜 Duas coisas que me chamaram a atenção: 1. A economia liberal como a que permite assumir a complexidade (portanto até mesmo as incoerências) do ser humano; 2. O coração que fala mais alto que a razão para sair do socialismo. Mas, sobre essa última, vc pode ter pariticipado da lógica da delicadeza de Pascal que dizia ter o coração razões que razão não entende.
ResponderExcluirSem dúvida, principalmente as incongruências! Por exemplo, é incongruente qualquer ação humana que promova a morte, destrua o meio ambiente e sacrifique a vida, e isso, indepedente de corrente ideológica, deve ser uma bandeira humanista.
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