segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

O Poço de Neruda









               Como não repensar sobre nosso poço interior com essa obra de arte de Pablo Neruda,  faz-nos refletir sobre os pensamentos  que  cultivamos em nosso coração. O que tu tens plantado? Pântanos selvagens, lama e areia? ou um belo jardim com jasmins e cidreiras? Tenho uma acácia amarela e uma bela e frondosa oliveira.



O POÇO
(Pablo Neruda)


Cais, às vezes, afundas
em teu fosso de silêncio,
em teu abismo de orgulhosa cólera,
e mal consegues
voltar, trazendo restos
do que achaste
pelas profunduras da tua existência.

Meu amor, o que encontras
em teu poço fechado?
Algas, pântanos, rochas?
O que vês, de olhos cegos,
rancorosa e ferida?

Não acharás, amor,
no poço em que cais
o que na altura guardo para ti:
um ramo de jasmins todo orvalhado,
um beijo mais profundo que esse abismo.

Não me temas, não caias
de novo em teu rancor.
Sacode a minha palavra que te veio ferir
e deixa que ela voe pela janela aberta.
Ela voltará a ferir-me
sem que tu a dirijas,
porque foi carregada com um instante duro
e esse instante será desarmado em meu peito.

Radiosa me sorri
se minha boca fere.
Não sou um pastor doce
como em contos de fadas,
mas um lenhador que comparte contigo
terras, vento e espinhos das montanhas.

Dá-me amor, me sorri
e me ajuda a ser bom.
Não te firas em mim, seria inútil,

não me firas a mim porque te feres

2 comentários:

  1. Neruda é fantástico. Poemas profundos, dolorosos e que quase sempre terminam com uma resolução da dor que o motiva. No livro Vinte Poemas de Amor e uma canção desesperada o poema 20 já me sofrer nos delicados momentos de separação.

    20

    Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

    Escrever, por exemplo: “A noite está estrelada
    e tiritam, azuis, os astros à distância”.

    O vento desta noite gira no céu e canta.

    Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
    Eu a quis e por vezes ela também me quis.

    Em noites como esta apertei-a em meus braços.
    Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

    Ela me quis e às vezes eu também a queria.
    Como não ter amado seus grandes olhos fixos?

    Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
    Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

    Ouvir a noite imensa mais profunda sem ela.
    E cai o verso na alma como o orvalho no trigo.

    Que importa se não pôde o meu amor guardá-la?
    A noite está estrelada e ela não está comigo.

    Isso é tudo. À distância alguém canta. À distância.
    Minha alma se exaspera por havê-la perdido.

    Para tê-la mais perto meu olhar a procura.
    Meu coração procura-a, ela não está comigo.

    A mesma noite faz brancas as mesmas árvores.
    Já não somos os mesmos que antes tínhamos sido.

    Já não a quero, é certo, porém quanto a queria!
    A minha voz no vento ia tocar-lhe o ouvido.

    De outro. Será de outro. Como antes de meus beijos.
    Sua voz, seu corpo claro, seus olhos infinitos.

    Já não a quero, é certo, porém talvez a queira.
    Ah, é tão curto o amor, tão demorado o olvido.

    Porque em noites como esta a apertei nos meus braços
    minha alma se exaspera por havê-la perdido.

    Mesmo que seja a última esta dor que me causa
    e estes versos os últimos que eu lhe tenha escrito.

    ResponderExcluir
  2. O sal das lágrimas nos faz lembrar a doçura da vida.. Viva Neruda! Abraços fraternos irmão!

    ResponderExcluir